Pela primeira vez desde o início da pandemia do novo coronavírus, o número de mortes de pessoas com menos de 70 anos por causa da covid-19 em um mês superou a de doentes a partir dessa idade no Brasil. Isso ocorreu em março deste ano, quando 55,5% dos óbitos registrados foram de pessoas de faixas etárias mais jovens.
Os dados por idade foram levantados pelo UOL junto aos cartórios de registro civil, responsáveis pelas certidões de óbitos no país. As informações constam no portal da transparência da Arpen-Brasil (Associação Brasileira de Registradores de Pessoas Naturais).
Em março, os cartórios registaram 77.202 mortes, recorde até aqui na pandemia, em dados inseridos no sistema até a tarde de ontem. Desse total, 33.975 foram de pessoas com 70 anos ou mais (ou 44%). Nos 12 meses anteriores, essa média variou de 50,5% (em abril de 2020) a 57% (outubro de 2020), mas sempre sendo a maioria dos óbitos.
A proporção de idosos acima dos 70 anos no total de mortes vem caindo especialmente entre as faixas etárias mais altas. Em março, por exemplo, o grupo de pessoas com 90 anos ou mais (incluídas na primeira etapa da vacinação, que começou em janeiro) representou 3,9% das mortes por covid-19 no país —no ano de 2020, a média foi de 7,5%.
Queda esperada
Segundo especialistas consultados pela reportagem, a queda já era esperada e pode ser explicada por dois fatores que atuaram de forma conjunta:
- o início do efeito do ciclo vacinal completo entre os mais idosos
- o aumento das internações pela forma grave da covid-19 em jovens neste ano.
Ainda não há estudos conclusivos que apontem, mas suspeita-se que a variante P.1, originária em Manaus, tem maior capacidade de causar infecções graves especialmente em faixas etárias mais jovens.
Essa mudança de perfil foi relatada ainda em janeiro, antes do início da vacinação, por médicos da linha de frente do Amazonas, e depois ratificadas pelo aumento na taxa de internação de jovens em UTIs (unidades de terapia intensiva) —hoje são os pacientes abaixo de 40 anos que são maioria nos leitos no país.
“Ainda é muito precoce atribuir toda essa redução de mortes somente à vacina. O que eu diria que é um cenário positivo, mostra a efetividade da imunização nesse grupo mais idoso, mas que também é um grupo que está obedecendo melhor as restrições”, afirma a médica Melissa Palmieri, diretora da SBIm (Sociedade Brasileira de Imunizações) em São Paulo.
Para Juarez Cunha, presidente da SBIm, os números confirmam uma tendência esperada no que se refere à proteção individual das pessoas que já estão vacinadas.
“A gente já tem visto alguma coisa positiva, como a queda de internações nessas faixas etárias [mais velhos] em algumas cidades e estados. Precisamos, claro, aguardar estudos científicos que apontem; mas o que a gente espera com a vacinação é exatamente isso: a diminuição dos quadros moderados e graves e, consequentemente, das mortes. O exemplo que temos de Israel, por exemplo, é ótimo e animador”, explica Juarez Cunha, presidente da SBIm.
Israel é um dos países com mais avançados em vacinação, com 55% da população totalmente imunizada, e comemora queda expressiva em internações e mortes.
A infectologista Vera Magalhães, da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco), também crê que os números já tenham impacto da vacinação, mas alerta que, com a circulação viral em alta e ausência de medidas mais rígidas de circulação, os jovens têm adoecido mais e, por tabela, morrendo em maior número que antes.
“Precisamos entender que a vacinação ainda está muito lenta e houve acréscimo da letalidade nos mais jovens, que ainda estão expostos às atividades profissionais e aglomerações. Isso decorre da falta da implementação da restrição social que deveria está sendo adotada de forma mais ampla e coordenada”, diz Vera Magalhães, infectologista da UFPE.
Magalhães ainda lembra que o Brasil está chegando somente agora em 4% da população vacinada com as duas doses, e que uma imunidade coletiva depende de alcançarmos uma taxa próxima a 70% de pessoas imunizadas.
“Até atingirmos essa imunidade, temos que adotar medidas de isolamento social para conseguirmos reduzir a circulação viral e consequentemente o número de infecções, hospitalizações e óbitos”, conclui.
Fonte: UOL