Embora tenha sido o segundo mês com mais mortes por Covid-19 no Rio Grande do Sul, abril apresentou uma tendência: enquanto o percentual de vítimas acima de 70 anos diminuiu em relação à média dos meses anteriores, a proporção de óbitos da população mais jovem, principalmente entre 20 e 69 anos, aumentou.
Os idosos ainda são a maioria das vítimas, mas a redução nos óbitos em relação aos meses anteriores à Campanha Nacional de Imunização sugere a eficácia das vacinas contra o coronavírus nos grupos prioritários atendidos até o momento. (Veja o gráfico abaixo)
Os registros constam no Portal da Transparência do Registro Civil, base de dados abastecida em tempo real pelos Cartórios de Registro Civil do país, administrada pela Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen-Brasil), e cruzados com os dados históricos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Reitora da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA), a imunologista Lúcia Pellanda acredita que a vacinação tenha efeito nesses dados. Porém, ela acrescenta a isso a maior mobilidade — e consequente exposição — da população mais jovem e os cuidados tomados pela população mais velha.
“Provavelmente já é o efeito das vacinas nessas faixas etárias. Mas, claro, a gente sempre tem que interpretar com muita cautela, porque também os jovens se movimentam muito mais, estão muito mais expostos, e também pode ser por isso que eles estão adoecendo mais do que os idosos. Os idosos estão se cuidando, então, além da vacina, é sempre importante manter os cuidados”, pondera.
“A vacinação é uma estratégia que requer uma ampla cobertura, ou seja, que muitas pessoas se vacinem para que a gente amplie ainda mais essa proteção, inclusive para aqueles que ainda são suscetíveis na população”, completa Mellanie Fontes-Dutra, pesquisadora da Rede Análise Covid-19.
Mortes dobraram entre 20 e 29 anos
A faixa etária que registrou o maior percentual de aumento em relação à média desde o início da pandemia foi a da população entre 20 e 29 anos. Em abril a faixa etária representou 1,39% do total de óbitos, cerca de 101% a mais do que a média dos meses anteriores (0,69%).
Da mesma forma, a população de 40 a 49 anos registrou crescimento de 94%. Se, na média, a faixa etária representava 5,33% das mortes em geral, no mês passado passou a representar 10,33% dos óbitos.
Entre as pessoas com 50 a 59 anos, o aumento foi de 80%, passando de uma média 10,45% para 18,8% em abril.
Na contramão disso, as faixas etárias acima de 70 anos diminuíram progressivamente a proporção de óbitos conforme o avanço na idade.
Nas faixas etárias priorizadas na campanha de vacinação, o número de óbitos caiu em relação à média desde o início da pandemia. Houve redução de 5% na faixa entre 70 e 79 anos, baixando de 25,48% para 24,09%.
Na faixa entre 80 e 89 anos, a queda foi de 63%, passando de uma média de 24,7% para 9,12%, em abril. Na população entre 90 e 99 anos, reduziu 64%, de 6,64% para 2,37%. E acima de 100 anos, baixou de 0,26% para 0,07%, uma diminuição de 74%.
‘Não tem como explicar’, lamenta filha de vítima de 42 anos
A auxiliar administrativo Ângela Rodrigues perdeu o irmão Renan aos 23 anos. A família diz que ele se cuidava, mas, mesmo assim, foi infectado e morreu em abril.
“Ele era um jovem bem consciente para aquilo que estava acontecendo. Dependendo de como seria algum encontro, alguma coisa, de algum irmão visitar ou chegar em casa, as coisas para ele eram bem definidas. Ele não saía, ele não viajava”, recorda.
Da mesma forma, estudante Isadora Sanabria perdeu a mãe, Evanise, que tinha 42 anos. Ela teve complicações após ser diagnosticada com a Covid-19, ficar nove dias na UTI, três dos quais intubada, e não ter tido a chance de se vacinar.
“Foi muito forte. Ela era uma pessoa totalmente saudável. Minha mãe não fumava, minha mãe não bebia. Foi até um susto para nós. Não tem como explicar isso”, lamenta Isadora.
O principal alerta que as pesquisadoras fazem, entretanto, é que a vacinação é uma estratégia coletiva. Não serve apenas para imunizar cada indivíduo, mas para reduzir a taxa de contágio entre as pessoas em um grupo.
“A vacinação é uma estratégia que requer uma ampla cobertura, ou seja, que muitas pessoas se vacinem para que a gente amplie ainda mais essa proteção, inclusive para aqueles que ainda são suscetíveis na população”, destaca.
Entre outras razões, a pesquisadora Mellanie destaca que a aceleração na vacinação, além de proteger o público atual para os riscos existentes, previne que surjam novas variantes, como aconteceu com a P.1, cepa identificada no Norte do Brasil no fim de 2020 e que é a predominante no estado atualmente.
“Em um ritmo lento de vacinação, nós vamos ter uma transmissão aumentada. Caso a sociedade não faça uma boa adesão às medidas de enfrentamento ou não implemente restrições adequadas pra controlar essa transmissão, a gente pode ter um aumento na transmissão. Com o aumento da transmissão, a gente vai ter mais pessoas se infectando e, à medida que mais pessoas se infectam, a gente vai ter uma sobrecarga do sistema de saúdem que tem um limite para conseguir atender a essas demandas, e a gente vai invariavelmente com uma maior transmissão ver mais hospitalizações, agravamentos e também mais óbitos, infelizmente”, conclui.
Vacinação precisa acelerar
Até a tarde desta quinta-feira (13), o Rio Grande do Sul já havia imunizado 2.627.436 pessoas com a primeira dose e, dessas, 1.084.745 com ambas de quaisquer das três vacinas disponíveis no mercado brasileiro.
Isto equivale a 23% da população com a uma dose e mais de 9,5% com a imunização completa, o que coloca o estado entre os primeiros do ranking de vacinação nos dois casos. Porém, com a reabertura das atividades econômicas e a retomada da circulação de pessoas, há aumento do risco de contágio mesmo entre os vacinados, aponta Mellanie.
“É muito importante que a gente amplie e acelere essa vacinação, porque a gente está num cenário de alta transmissão, o que faz com que todos nós estejamos muito expostos. Mesmo as pessoas vacinadas, ainda que com um risco menor, num cenário de alta transmissão, também estão expostos”, afirma.
Vacinar-se, ressalta Pellanda, não significa abandonar todos os cuidados com higiene pessoal e distanciamento, além do uso de máscaras e outros equipamentos de segurança individual adotados desde o começo da pandemia.
“O que pode realmente interromper a transmissão é a vacinação rápida de todo mundo. Quanto maior a proporção de pessoas vacinadas, melhor vai ser esse resultado. Mas, enquanto isso, a gente precisa manter os cuidados. Os países que conseguiram interromper foi com cuidado mais vacina. Só vacina não é um passaporte para se liberar, para não cuidar mais”, alerta a imunologista.
Assista ao vídeo da reportagem na íntegra:
Fonte: G1RS