Tema de redação do exame foi analisado por professores que fizeram suas próprias versões de texto dissertativo-argumentativo, seguindo as orientações da prova.
O tema da redação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) 2021 foi “Invisibilidade e registro civil: garantia de acesso à cidadania no Brasil”.
O tema é complexo e causou confusão entre os alunos. Internautas que acompanharam a divulgação da informação perguntaram se seria possível abordar o direito a nome social, mas professores ouvidos pelo g1 opinaram que poderia configurar fuga do tema.
Veja, abaixo, modelos de redação feitos por professores e equipes de cursinhos.
Danillo de Aquino Guedes, professor de redação do Curso Pré-Vestibular da Oficina do Estudante de Campinas (SP)
Segundo o dicionário Houaiss, o termo cidadão designa aquele que, sendo membro do Estado, usufrui de direitos civis e políticos garantidos pelo governo. Assim, para que o status de cidadão seja alcançando, o primeiro passo, mínimo, a ser cumprido é o registro civil do indivíduo, logo nos primeiros dias de seu nascimento. Caso isso não ocorra, em termos legais, é como se a pessoa não existisse, ou seja, há uma completa invisibilidade do cidadão, impedindo que ele tenha garantido o acesso à cidadania, isto é, aos direitos fundamentais fornecidos pelo Estado, como os benefícios sociais e a saúde.
Em uma primeira análise, a falta de certidão de nascimento impede que a pessoa tenha acesso a qualquer outro tipo de documento, como documento de identidade ou cadastro de pessoa física. Nesse aspecto, as implicações práticas dessa simples, ainda que crucial, obrigação legal são múltiplas, podendo ser mencionada a impossibilidade de acesso a benefícios sociais, a exemplo do auxílio emergencial, pago a famílias de baixa renda – público no qual as pessoas sem registro civil se encaixam –, uma estratégia de mitigação do aprofundamento da desigualdade social provocada pela pandemia de Covid-19. Então, sem qualquer assistência do Estado, essas pessoas – infelizmente, uma população considerável, de cerca de 3 milhões – são tragicamente abandonadas à própria sorte.
Em uma segunda análise, além de não conseguirem obter benefícios sociais, as pessoas sem registro civil também não conseguirão acessar o sistema de saúde. Dessa forma, todo esse contingente não poderá realizar procedimentos simples, como consultas, internações, intervenções medicamentosas ou, até mesmo, vacinação. Nesse sentido, ainda levando em conta o contexto pandêmico, há ao menos uma dupla tragédia na vida dessas pessoas: a econômica e a sanitária, pois as vacinas já em distribuição e aplicação no país em prevenção à Covid-19 não chegarão a essas pessoas. Dessa forma, estarão vulneráveis a mais um problema: um vírus de proporções mundiais, uma vez que pandêmico.
Em suma, a falta de registro civil invisibiliza pessoas e lhes nega o direito a fazerem parte da sociedade como cidadãos, sendo-lhes negados direitos, em particular, benefícios sociais e saúde. Portanto, é de suma importância que as defensorias públicas se engajem, por meio de uma força-tarefa, com vistas a mapear a população sem registro civil, agindo com celeridade, com o intuito de concederem a ela esse documento. Por conseguinte, essas pessoas passarão à condição de cidadãs, tendo direito a fazer parte do Estado, acessando benefícios sociais, saúde e todos os direitos necessários ao bem-estar social.
Equipe de redação do Colégio Qi
A Constituição Federal, promulgada em 1988, prevê a todo cidadão o pleno direito à dignidade humana e ao bem-estar social. No Brasil, entretanto, tais garantias não têm se refletido na prática de muitos indivíduos, haja vista sua invisibilidade relacionada à ausência de documentos. Posto isso, a fim de atenuar o problema, convém analisar não só a falta de apoio do Estado como a exclusão de diretos básicos como principais fatores implicados nesse impasse.
Diante desse cenário, cabe destacar a carência de ações efetivas do poder público como uma das causas substanciais do grande número de pessoas sem a devida documentação. Nesse sentido, apesar de medidas como a isenção de taxas para gerar a certidão de nascimento, a escassez de divulgação desse direito aliada à burocracia nos postos de atendimento dos grandes centros urbanos e à distância para acessar as instituições de emissão em regiões periféricas representam falhas de gestão pública que cooperam para o agravamento dessa situação de invisibilidade. Lê-se, portanto, como nociva a percepção de que, seja nas grandes metrópoles, seja no interior do país, tantos indivíduos tenham de enfrentar desafios para existirem oficialmente no Brasil.
Além disso, a privação de acesso a serviços básicos representa uma das mais relevantes consequências dessa conjuntura. Nesse âmbito, sem certidão de nascimento, não há carteira de identidade ou CPF, o que impossibilita também o acesso aos serviços públicos, como saúde e educação, e aos programas de assistência do governo, sendo esse um fato ainda mais preocupante, sobretudo em tempos de vulnerabilidade social relacionada à pandemia. Tal vulnerabilidade ficou bastante evidente quando, no primeiro semestre de 2020, o Jornal Nacional exibiu uma reportagem na qual mostrava o sofrimento de muitos brasileiros que, por não portarem documentação, ficaram impossibilitados de receber o Auxílio Emergencial – amparo fundamental para as famílias mais carentes. Desse modo, é contraditório que, em um país oficialmente democrático como o Brasil, os benefícios da cidadania plena sejam tão inacessíveis a uma grande parcela da população.
Diante do exposto, torna-se imperativo que o acesso à documentação civil seja garantido a todos de modo a efetivar a condição de cidadania dos indivíduos invisibilizados. Por isso, o Governo Federal deve criar campanhas de combate ao índice de pessoas não identificadas civilmente no país, por meio de ações estruturais, com a construção de novos postos de atendimento e a divulgação de informações relevantes à população sobre esse exercício de cidadania. Espera-se, com isso, ampliar a visibilidade social desse grupo e garantir os diretos previstos na Carta Magna.
Marina Rocha, professora de redação Colégio e Curso AZ
De acordo com o artigo 3 da Constituição de 1988, um dos objetivos da República Federativa do Brasil é o combate à desigualdade social. Contudo, percebe-se que a concretização dessa meta ainda é um ideal distante, visto que aproximadamente 3 milhões de brasileiros não possuem registro civil, fato que os impede de votar, estudar, trabalhar e de se inserir em qualquer prática cidadã. Escancara-se, desse modo, a desigualdade: enquanto a parcela que possui documentação adequada acessa seus direitos básicos, aqueles que não são registrados são invisíveis perante a nação. Diante disso, a insuficiência de ações governamentais e de debates sobre o tema podem explicar esse cenário.
A princípio, destaca-se a dimensão política dessa discussão. Segundo o filósofo francês, Rosseau, as leis existem para encaminhar a justiça ao seu objetivo. No entanto, essa premissa se distancia da prática brasileira, pois a lei de 1997, que determinou a gratuidade do registro de nascimento, não conseguiu concretizar o justo acesso à documentação. Isso ocorre pois não se trata essencialmente de uma questão financeira, mas sim de um entrave político: não basta que a retirada do documento não seja paga, é preciso que seja oferecida de forma acessível. Nesse sentido, diante da ausência de medidas que criem ações populares para levar essa oportunidade à parcela invisível da população, o cenário tende a permanecer o mesmo. Como resultado disso, afastamo-nos do ideal de justiça proposto por Rosseau, uma vez que as leis existentes são ineficazes para garantir o combate à subcidadania.
Além disso, nota-se que há fatores culturais que corroboram esse contexto. Embora proposta pela Carta Magna de 1988, em seu artigo 3, a “construção de uma sociedade livre, justa e solidária” é afastada pela passividade diante da falta de democratização da documentação civil. De um lado, há aqueles diretamente atingidos por esse drama e que, sem acesso a informações sobre como e onde retirar seus documentos, mantêm-se alheios à discussão e à sua resolução, dando continuidade, inclusive, ao que é, muitas vezes, uma prática comum em suas famílias há gerações. De outro, as pessoas devidamente registradas, de modo geral, sequer percebem a existência do problema, pois são poucos os debates sobre a legião de brasileiros invisíveis, aos quais qualquer tipo de direito é negado. Com isso, liberdade, justiça e solidariedade são metas cada vez mais distantes.
Torna-se evidente, portanto, que a situação é grave e deve ser alterada. Para isso, é urgente que o Estado – haja vista sua função principal de visar ao bem coletivo – priorize a emissão do registro civil daqueles que ainda não o possuem. Isso pode ocorrer por meio de ações comunitárias que aconteceriam em espaços, como praças e colégios, em parceria com prefeituras, a fim de tornar acessível a retirada da documentação e, com isso, o exercício da cidadania. Ademais, a mídia deve estimular o debate consciente sobre o tema, para sensibilizar e informar a população. Somente assim, a invisibilidade de diversos brasileiros deixará de ser uma realidade e o combate à desigualdade finalmente será adequado, concretizando o ideal da Constituição nacional.
Equipe de Redação do Colégio Matriz Educação
De acordo com a Constituição Federal de 1988, em seu Artigo 5⁰: “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”. Dessa forma, a Carta Magna prevê não apenas a igualdade de direitos, bem como a sua inviolabilidade; elementos essenciais à garantia da dignidade da pessoa humana. Entretanto, observa-se que nem todos os direitos são assegurados, visto a negligência do Estado em garantir o acesso à cidadania no Brasil. Isto posto, cabe avaliar as causas que levam o cidadão à invisibilidade social e como elas interferem negativamente no exercício pleno dos direitos civis.
A princípio, é necessário compreender que em 2015, segundo o IBGE, 3 milhões de pessoas viviam sem Registro Civil no Brasil. Embora alto, esse dado camufla um resultado ainda maior. Afinal, os filhos desses indivíduos marginalizados sofrerão a mesma exclusão, pois o cerceamento dos direitos dos pais impactará na impossibilidade de seu reconhecimento na sociedade, limitando-lhes ao status de não cidadão. Assim, esses indivíduos tornam-se desprotegidos e desamparados, pois não podem recorrer a projetos sociais e, tampouco, pleitear por seus direitos civis.
Ademais, os negligenciados pelo Estado possuem dificuldade de provar sua existência ao governo; vivem como informais, numa latência social. Isso se comprova pela dificuldade encontrada pelos cidadãos, por exemplo, no acesso ao Auxílio Emergencial de 2020, momento em que diversos brasileiros vivenciaram a invisibilidade social de forma concreta, pois careciam de documentação. Eles, embora estejam na sociedade, não fazem parte dela. Isso assemelhasse ao pensamento da autora Carolina Maria de Jesus, na obra Quarto de Despejo, ao tratar os flagelados como “objetos fora de uso; dignos de estar num quarto de despejo” social.
Portanto, a segurança das premissas fundamentais no Brasil, como forma de acesso à cidadania, passa pela legitimação do papel do Estado enquanto garantidor de direitos. Assim, o Executivo Federal, em parceria com as Secretarias de Estado de Desenvolvimento Social e Direitos Humanos – órgãos acolhedor dos indivíduos em situação de flagelo social -, deve promover a apresentação da importância do registro civil na vida do cidadão. Isso deve ser feito por meio do serviço de assistência social das unidades hospitalares, uma vez que esse é o primeiro setor social a amparar a família e o nascituro. Dessa forma, o acesso ao exercício da cidadania será alcançado pela criança e exercido pelos pais. Com isso o território brasileiro não mais terá espaço para um quarto de despejo, como bem afirmou a ilustre autora afrobrasileira.
Fonte: Portal G1