“A parentalidade socioafetiva precisa existir, comprovadamente, para que a multiparentalidade venha a se tornar uma realidade”

Presidente da Comissão Mineira de Gênero e enfrentamento à violência contra a mulher do IBDFAM, Lhigierry Carla Moreira Oliveira Sobrinho concedeu entrevista à Arpen/RS sobre multiparentalidade e parentalidade socioafetiva no registro civil

A advogada e presidente da Comissão Mineira de Gênero e enfrentamento à violência contra a mulher do IBDFAM, Lhigierry Carla Moreira Oliveira Sobrinho, concedeu entrevista à Associação dos Registradores de Pessoas Naturais do Rio Grande do Sul (Arpen/RS) para falar sobre multiparentalidade e parentalidade socioafetiva no registro civil.

De acordo com Lhigierry, “a parentalidade socioafetiva é o tornar parente aquele com quem não se possui laços de consanguinidade, mas de afeto, de empatia, de solidariedade e amor. Há muito já se reconhece que essa é a verdadeira família. Esses estão entre o que chamamos de novos arranjos familiares, que vão além daqueles que a Constituição Federal já reconheceu em seu artigo 226”.

Confira a entrevista na íntegra:

Arpen/RS – Qual a influência da multiparentalidade e parentalidade socioafetiva no registro civil?

Lhigierry Carla – Inicialmente, é importante salientar que a multiparentalidade e seu reconhecimento efetivo são um grande avanço para a sociedade e não apenas para o Direito, de uma forma bastante sintética. A multiparentalidade e a parentalidade socioafetiva possuem uma relevância no quesito afeto, o qual, atualmente, tem sido reconhecido como grande permeador do Direito de Família, em que pese tê-lo baseado desde os tempos primórdios. O que hoje temos, portanto, é a aceitação do princípio afeto.

O registro civil se mostra útil ao registrar a realidade fática das pessoas civis. Desta forma, é prudente dizer que a multiparentalidade e parentalidade socioafetiva, inseridas, preludialmente, em nosso ordenamento jurídico por meio das seguintes ocorrências:

– Em 2014, a juíza titular da 15ª Vara de Família da Capital do Rio de Janeiro, Maria Aglae Vilardo, reconheceu o direito de 3 (três) irmãos terem em seus registros de nascimento duas mães, sendo uma biológica e outra socioafetiva;

– Em 2016, o julgamento no STF do RECURSO EXTRAORDINÁRIO 898.060 SC, acerca do tema de REPERCUSSÃO GERAL que ponderava a prevalência da paternidade socioafetiva em detrimento da paternidade biológica, teve por decisão ser perfeitamente possível a coexistência de ambas as paternidades, o que deixa clarividente a possibilidade do reconhecimento multiparental;

– Em 2017, a Corregedoria Geral de Justiça do CNJ editou o provimento CNJ 63/2017, o qual foi um facilitador ao reconhecimento do vínculo socioafetivo, permitindo, no caso de consenso das partes, o registro de diversas situações antes não contempladas convencionalmente;

– Em 2019, a Corregedoria Geral de Justiça do CNJ editou o provimento 83/2019, que alterou a Seção II do provimento nº 63/2017, trazendo modificações em diversos artigos, dentre eles o art. 14. O  novo § 1º do art. 14 do Prov. 63 trouxe, então, a limitação referente ao número de pais ou mães que poderá constar do registro de nascimento, e prevê: “somente é permitida a inclusão de um ascendente socioafetivo, seja do lado paterno ou do materno”;

Com estas breves considerações acerca de provimentos e julgamentos, é possível afirmar que a influência é direta e relevante no registro civil, uma vez que foram e estão sendo inúmeras as alterações para que se chegue ao determinado pelo que hoje é reconhecido: a possibilidade do assentamento da multiparentalidade.

Logo, a adequação dos Cartórios para a realização das informações é uma das influências mais misteres do caso em comento.

Arpen/RS – Como avalia os efeitos jurídicos oriundos das sentenças judiciais de multiparentalidade e de parentalidade socioafetiva?

Lhigierry Carla – Os efeitos jurídicos são muitos e complexos. Estamos diante de uma alteração, por exemplo, na quantidade de pais ou mães que uma pessoa passará a ter, oficialmente. Logo, questões sucessórias, por exemplo, sofrem um grande impacto e precisam ser, também, analisadas e muito bem reestruturadas para a aplicação em caso concreto.

Não se trata somente do ordenamento sucessório, mas de toda uma reestruturação, que pode ser complexa, mas que é muito necessária e válida.

Apesar dos imbróglios, os efeitos de levar uma sentença de socioafetividade à registro, devem ser comemorados, eis que o afeto, a solidariedade, o amor, falaram mais alto ao ordenamento jurídico. São realidades colocadas em formalização. São sonhos se realizando.

Arpen/RS – Qual a relação entre a parentalidade socioafetiva e os casos de multiparentalidade?

Lhigierry Carla – A relação é basilar. A parentalidade socioafetiva precisa existir, comprovadamente, para que a multiparentalidade venha a se tornar uma realidade.

A parentalidade socioafetiva é o tornar parente aquele com quem não se possui laços de consanguinidade, mas de afeto, de empatia, de solidariedade e amor. Há muito já se reconhece que essa é a verdadeira família. Esses estão entre o que chamamos de novos arranjos familiares, que vão além daqueles que a Constituição Federal já reconheceu em seu artigo 226.

Segundo Maria Berenice Dias, “Coexistindo vínculos parentais afetivos e biológicos, mais do que apenas um direito, é uma obrigação constitucional reconhecê-los, na medida em que preserva direitos fundamentais de todos os envolvidos, sobretudo o direito à afetividade”.

Há princípios fundamentais que nunca devem deixar de serem observados, tais como princípios como da dignidade da pessoa humana, isonomia, afetividade, solidariedade e ajuda mútua.

Assim, estabelece-se que a parentalidade socioafetiva está para a multiparentalidade, como a Constituição Federal está para a Dignidade da pessoa humana. Uma necessita da outra para existir.

Arpen/RS – Como avalia a importância da anuência entre as partes para a definição de afetividade?

Lhigierry Carla – Essa avaliação é de valia e prudência inquestionáveis para a existência de uma segurança jurídica para as partes envolvidas, bem como para todo o ordenamento.

Impossível que se estabeleça um vínculo que tem por base o afeto, sem que se confirme a existência deste. O perigo, o risco da má utilização de princípio tão nobre, é gritante e patente.

Arpen/RS – Em relação ao avanço da tecnologia, como vê a prática de atos eletrônicos pelos cartórios de registro civil em meio à pandemia?

Lhigierry Carla – A celeridade trazida e a segurança são de relevância salutar. O serviço é ofertado, devidamente, o que traz, além da garantia de não ser posto à risco ao sair de casa ou escritório, em decorrência da pandemia que ainda é uma realidade, um grande e inquestionável conforto.

Particularmente, vejo como um avanço muito positivo para o extrajudicial, do qual, inclusive, me tornei muito adepta. Para a prática advocatícia, a celeridade é fundamental.

Fonte: Assessoria de Comunicação – Arpen/RS