“Só com muito orgulho para sermos quem somos”, diz professor passo-fundense sobre a importância do dia do orgulho LGBT+

Na data que simboliza a luta contra a repressão e injustiça, pessoas trans contam como a mudança de prenome e gênero trouxe dignidade para suas vidas

O dia 28 de junho marca o movimento de luta contra a repressão e a injustiça à comunidade LGBT+. Foi nesta data que a Revolta de Stonewall, ocorrida há mais de 50 anos, mudaria para sempre a vida de milhares de pessoas mundo afora.

O psicólogo, doutor em Psicologia, professor da Atitus Educação de Passo Fundo, no norte do Estado, Jean Von Hohendorff, lembra que a data tem grande simbolismo e relembra a luta da comunidade LGBT+.

— Muitas pessoas perguntam o porquê da data, normalmente elas não são pessoas LGBT. Eu como homem gay, cis (cisgênero), digo que é necessário que tenhamos uma data porque estamos numa sociedade que diz que a gente não pode ser quem é, que acha errado sermos quem somos. Então acredito que temos que ter orgulho de ser quem somos, mesmo sabendo que muitos dedos são apontados.

Ele conta que, mesmo tendo ocorrido em 1969, a mobilização mudou a realidade do mundo na questão LGBT+.

— Na Revolta de Stonewall duas mulheres trans se revoltaram contra a discriminação feita em um bar. Então é importante dizer que, quando uma pessoa LGBT luta pelos seus direitos, ela precisa se revoltar contra um sistema que diz que ela não deve existir.

Jean lembra que a população trans é a que mais morre no Brasil.

— E há inclusive muitas outras formas de matar, seja discriminando, não dando oportunidade, dizendo que são doentes, rechaçando ou não dando lugar na sociedade.

Mudança de nome e gênero

Nos últimos anos houve mudanças importantes para a comunidade LGBT+, uma delas é a permissão, pela justiça, do nome e sexo de pessoa transgênero, sem a necessidade de procedimento judicial e nem comprovação de cirurgia de redesignação.

Em Passo Fundo, em cinco anos da permissão, foram 67 mudanças de sexo no Cartório de Registro Civil de Pessoas Naturais.

Mesmo recente, ela representou avanço social e trouxe mais liberdade para quem decidiu pela mudança. Uma dessas pessoas foi o barbeiro passo-fundense Jeferson Moreira, de 30 anos. Ele, que era chamado de Jéssica, assumiu sua sexualidade em 2012 quando ajudou na organização da segunda parada da diversidade de Passo Fundo e aprofundou os estudos sobre o tema.

Há quatro anos encaminhou a solicitação de mudança de nome e gênero, por meio de documentos.

— Para mim foi tudo bem tranquilo, minha família sempre me apoiou nas minhas decisões. Inclusive o nome eu escolhi com base no que eu já usava, para ficar semelhante ao que minha mãe me deu. Não mudei muito, pois como convivo com minha avó não quis dificultar nada pra ela.

Jeferson conta que se assumiu homem trans em 2012, mas desde os 16 anos gostava de mulheres e nunca gostou de objetos ou cores associadas ao universo feminino.

— Eu nunca gostei de rosa, de roupas de meninas, de brinquedos de meninas. Tudo pra mim era jogar bola com os guris, andar de carrinho de rolamento na rua, jogar bolita, coisas de menino.

Ele diz que nunca foi uma descoberta, que desde criança se comportava como menino.

Um dos serviços que Jeferson utiliza é o atendimento psicológico oferecido pelo Centro de Saúde da Mulher e da População LGBTQIA+, localizado no centro de Passo Fundo.

Passo-fundense foi a primeira a fazer a cirurgia de redesignação

Maria Eduarda (nome fictício), 40 anos, nasceu em Passo Fundo e viveu a infância no bairro Vera Cruz. Aos 22 anos saiu do Brasil e foi morar na Europa, hoje vive nos Estados Unidos. Casada, conta que tem uma vida tranquila, longe da correria e do preconceito que já teve que conviver.

Fez a cirurgia de mudança de sexo aos 19 anos pelo SUS no Hospital de Clínicas de Porto Alegre e uma semana depois solicitou a troca do nome e gênero nos documentos.

Disse que o procedimento foi tranquilo e que precisou apenas de uma correção estética. Maria disse que nunca se sentiu diferente.

— Eu sempre me senti normal, nunca tive transição emocional ou de convicção. No que me reconheci gente eu já sabia quem eu era. Eu ia em festinhas com cinco anos de idade e odiava minhas roupas de menino. Logo que cresci, coloquei isso para fora, tomava hormônio escondido desde os nove anos, não passei pela puberdade, não fiquei com a voz masculina. Eu me olhava no espelho e não me sentia desconfortável, tanto que todo mundo pensava que eu era uma menina, perguntavam porque eu estava vestida de guri — conta.

Com 10 anos disse que resolveu que teria seu nome de menina porque assim que sempre se sentiu.

— Avisei minha família que não iria responder, se não me chamassem do meu novo nome. Ali eu já estava convicta de minha condição, eu era uma menina. Diferente de outras pessoas, eu não passei por nenhuma transição emocional, somente física mesmo, desde seios, tudo, nunca tive problema com isso. A única questão que me dava característica de definição biológica foi o que tive que retirar. A gente é o que é desde sempre, não é um dia em que você acorda e não se sente confortável com o corpo. No meu caso o processo de transição foi apenas uma adaptação de uma parte específica do meu corpo.

Ela prefere não expor seu nome por uma questão pessoal. Na infância viveu no bairro Vera Cruz e seus pais vivem até hoje em Passo Fundo.

Maria é poliglota, tem cidadania italiana, brasileira e americana. Com todo o conhecimento e vivência aos 40 anos, ela garante que mesmo com a troca do nome e do gênero, o importante é ter orgulho da pessoa que é. — Eu não tenho orgulho do que eu sou, mas de ser quem eu sou. Sempre me senti uma mulher, não construí isso. Corrigi o que me fazia não me sentir na minha plenitude. Eu tenho orgulho da pessoa que sou, dos meus valores, da minha ética. Nunca tive problemas quanto à minha sexualidade.

Ela confessa que escolheu o anonimato para ter tranquilidade e poder viver sua vida plenamente.

— Essa foi minha conquista, a minha visibilidade foi o anonimato. Não quero sair desse mundo que escolhi porque foi meu modo de viver a vida. Um dos motivos pelos quais eu saí do Brasil foi a dificuldade em manter um relacionamento com pessoas, porque elas têm medo do que as outras irão dizer sobre isso.

Maria confessa que não aprova a maneira das organizações se portarem.

— A organização LGBT é política e nem sempre está certa. Passei mais preconceitos dentro da organização do que dentro de um quartel militar. As pessoas precisam saber que do outro lado também existe muita intolerância.

Entre as pessoas que admira citou Roberta Close, como seu maior exemplo de vivência de uma pessoa trans.

Verônica sonha com a cirurgia de redesignação

Verônica Oliveira dos Santos, 23 anos, é acadêmica de educação física na Universidade de Passo Fundo (UPF) e trabalha como auxiliar administrativa. Ela fez a retificação do nome e gênero em 14 de agosto de 2020. Conta que desde os quatro anos de idade já tinha sinais de transexualidade.

— Eu era uma criança que gostava de tudo que remetesse ao feminino, sempre estava no meio das meninas brincando. Ainda na infância sempre tive atração por meninos. Entrei na adolescência e vivi todo o processo de autodescoberta e, por volta dos 15 anos, comecei a me entender melhor.

Ela lembra que se olhava no espelho e não se sentia feliz com o que via.

— Sempre fui feminina, tanto nos traços como na voz, no jeito de ser. No período da adolescência comecei a sentir tristeza e não entender aquilo. Então entrei na academia, comecei fazer exercícios e meu corpo começou mudar, ficou feminino e aquilo me trouxe felicidade. Fui percebendo que aquilo era o que me fazia feliz.

Aos 17 anos, extremamente feminina, ainda não tinha assumido a transexualidade. Natural de Lagoa Vermelha, concluiu o Ensino Médio na cidade e decidiu cursar educação física em Passo Fundo. Desde o começo das aulas recebeu apoio dos professores para alterar o nome, período em que havia se descoberto definitivamente como uma mulher trans. Em 2019, fez a carteira de identidade social de forma provisória, e assim alterou o nome na chamada da faculdade. Em 2020, fez a alteração na certidão de nascimento e nos demais documentos. Disse que a aceitação da família foi um processo natural.

— Todos foram se acostumando, pois não foi uma surpresa para minha mãe eu ter me assumido como mulher trans. Ela sempre soube. Este mês fiz a cirurgia de implante de silicone e pretendo fazer a redesignação, é meu sonho. Mas independente de cirurgia ou não, nossa identidade e nossa dignidade devem ser respeitadas, a começar pelo nome. Eu vivo uma vida feliz, realizada, tenho apoio do meu namorado, no meu trabalho e na família.

Mudança de sexo em Cartório cresceu 800% em cinco anos no RS

Segundo dados da Associação dos Registradores de Pessoas Naturais do Estado do Rio Grande do Sul, a mudança de sexo em Cartório cresceu 800% em cinco anos de permissão no Estado. Os Cartórios de Registro Civil registraram mais de 590 mudanças de nome e gênero de pessoas transexuais no período.

Com a permissão não houve mais a necessidade de procedimento judicial e nem comprovação de cirurgia de redesignação judicial, também conhecida como transgenitalização.

Serviço

Para realizar o processo de alteração de gênero e nome, é preciso procurar o Cartório de Registro Civil.

Endereço: Rua Morom, 1120

Telefone: 3313-1964

Fonte: GaúchaZH