STJ admite flexibilização do prazo para formalização de casamento nuncupativo

Em decisão unânime, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça – STJ admitiu a flexibilização do prazo para as testemunhas comparecerem perante a autoridade judicial em caso de formalização do casamento nuncupativo. O colegiado entendeu que não é adequado impedir a formalização do casamento apenas por esse fundamento, se estão presentes os demais requisitos estabelecidos pelo legislador.

Para o STJ, a observância do prazo de dez dias para que as testemunhas compareçam à autoridade judicial, “conquanto diga respeito à formalidade do ato, não trata de sua essência e de sua substância”. “Consequentemente, não está associado à sua existência, validade ou eficácia, razão pela qual se trata, em tese, de formalidade suscetível de flexibilização, especialmente quando constatada a ausência de má-fé”.

Conforme o julgado, que teve relatoria da ministra Nancy Andrighi, o casamento nuncupativo, também denominado de in articulo mortis ou in extremis, é uma figura de rara incidência prática. A particularidade é a postergação das formalidades legais indispensáveis à celebração do casamento em virtude da presença de circunstâncias muito excepcionais.

A conclusão da Terceira Turma foi de que não é adequado impedir a formalização do casamento sem perquirir, antes ou conjuntamente, se estão presentes os demais requisitos estabelecidos pelo legislador, especialmente aqueles que digam respeito à essência do ato. O número do processo não é divulgado em razão de segredo judicial.

Manifestação da vontade

Segundo o juiz e professor Wlademir de Paes Lira, presidente do IBDFAM seção Alagoas – IBDFAM-AL, a decisão vai ao encontro do que já vinha sendo aceito pela doutrina e jurisprudência. “Muitas vezes há uma dificuldade em fazer a reunião dessas testemunhas, já que são seis testemunhas para se referendar a manifestação da vontade de casar.”

Wlademir destaca que a flexibilização do tempo é uma decisão importante para o Direito de Família. Cita o caso de pessoas internadas em razão da Covid-19 nos hospitais, que, antes de morrerem, realizaram o casamento nuncupativo na presença de testemunhas. “Depois essas testemunhas tinham dificuldade de comparecer ao cartório presencialmente em função do lockdown”, lembra.

Outro aspecto importante da decisão, segundo o especialista, é a flexibilização das testemunhas, “desde que o juiz consiga comprovar cabalmente que houve a manifestação da vontade de casar”. “Embora seja um contrato especial, o cerne do fato jurídico, o casamento, é a manifestação da vontade.”

“Se houve manifestação da vontade na presença de pessoas possíveis de homologar, no caso o juiz, uma autoridade religiosa e também testemunha no caso do casamento nuncupativo, o cerne é a manifestação da vontade. Se o juiz tem provas suficientes de que houve a manifestação da vontade, mesmo tendo o prazo sido descumprido por algum motivo, ou uma testemunha a menos, ele deve, sim, promover a homologação e mandar fazer o registro que retroaja à data de quando foi feita a manifestação da vontade”, ressalta o magistrado.

Efeitos previdenciários

O juiz prevê que o foco das próximas discussões gira em torno da Lei 13.135/2015. A norma determina que o casamento feito apenas para efeito previdenciário pode ser invalidado, anulado ou perder a sua eficácia perante a Previdência. “Isso vai criar um problema muito grande daqui pra frente com relação ao casamento nuncupativo.”

“Imaginemos, por exemplo, que um casamento nuncupativo é feito por dois motivos: situação de risco de vida; e para deixar aquela pessoa com quem você pretende casar assegurada para os efeitos do casamento. Quando essa pessoa já vive em união estável isso não é grande problema”, exemplifica Wlademir.

Ele continua: “Mas se a pessoa não vive em união estável, e você quer casar para que ela usufrua dos direitos de uma pessoa casada, e possa até ser, posteriormente, considerada viúva, provavelmente o Instituto Nacional de Seguridade Social – INSS vai dizer que esse casamento tem que ser invalidado porque o objetivo era que a pessoa tivesse direito previdenciário, já que se sabia que não haveria vida conjugal”.

O juiz entende que a norma vai de encontro ao sistema jurídico como um todo, inclusive ao sistema constitucional, ao criar apenas para efeito previdenciário uma questão de invalidade. “O casamento nuncupativo surgiu exatamente pra isso.”

Ele cita outro caso: “Imaginemos uma pessoa que está noiva há dez anos. Não tem união estável, mas tem todo um projeto de vida. De repente sofre um acidente e diz ‘quero casar com você antes de morrer para que você possa ter direito aos benefícios do casamento’. Alguém vai dizer que ela não terá direito ao benefício do casamento, pois casou há pouco tempo, e sabendo que a pessoa ia morrer”.

Para o especialista, o entendimento do STJ é um grande avanço, “que vai facilitar para muitas pessoas que tiverem essa dificuldade de prazo”.

Fonte: IBDFAM