A pandemia tem afetado não só as taxas de mortalidade, mas também as taxas de natalidade e a dinâmica demográfica brasileira. Os estados do Rio de Janeiro e do Rio Grande do Sul registraram mais óbitos do que nascimentos nos primeiros 5 meses de 2021. Pela primeira vez na história brasileira, duas Unidades da Federação apresentam redução da população. Foi uma redução vegetativa pequena, mas uma grande e inédita novidade para a demografia brasileira.
Evidentemente, esse decrescimento populacional é temporário e deve ser revertido com o avanço da imunização, a redução dos óbitos da covid-19 e a volta da confiança dos casais para colocar em prática suas decisões reprodutivas. O Brasil tem uma história de 521 anos de crescimento demográfico contínuo e ininterrupto. Mas as projeções populacionais indicam um novo quadro nas décadas vindouras. A grande mudança rumo ao decrescimento populacional estava prevista para a segunda metade do século XXI, mas o que a pandemia traz de novo é antecipar, conjunturalmente, cenários estruturais previstos para a segunda metade do século XXI.
O gráfico abaixo, com dados do Portal da Transparência do Registro Civil, mostra que o estado do Rio de Janeiro registrou 79.038 nascimentos e 79.570 óbitos nos primeiros 5 meses de 2021 (até 29/05). Houve, portanto, uma redução vegetativa de 532 pessoas na população fluminense. O Rio Grande do Sul registrou 53.832 nascimentos e 54.218 óbitos no mesmo período. O decrescimento populacional riograndense foi de 386 pessoas.
A população do Rio de Janeiro era de 16,3 milhões de habitantes em 2010 e deveria chegar a 17,5 milhões em 2021, enquanto no Rio Grande do Sul a população era de 10,9 milhões e deveria chegar a 11,5 milhões de habitantes em 2021, segundo as projeções populacionais do IBGE (revisão 2018). Em ambos os estados, o crescimento populacional anual atingiu o valor máximo em 2015, com aumento de 115 mil pessoas no RJ e 56 mil pessoas no RS, conforme mostra o gráfico abaixo. A partir desta data o saldo anual iniciou um processo contínuo de redução sendo que a variação negativa anual do Rio Grande do Sul estava prevista para 2036 e o Rio de Janeiro para 2042. Em 2050, a estimativa seria um decrescimento de 35,8 mil pessoas no RJ e de 38,8 mil pessoas no RS. Sem dúvida, o decrescimento populacional parece ser uma realidade inexorável no futuro de médio prazo.
Nas projeções do IBGE, em 2021, o Rio de Janeiro deveria ter um crescimento populacional de 97,2 mil pessoas e o Rio Grande do Sul deveria ter um acréscimo de 43,7 mil pessoas. Mas, como vimos nos dados do Portal da Transparência do Registro Civil, houve um pequeno decréscimo nos 5 primeiros meses de 2021 e o mais provável é que o saldo final no final de 2021 seja próximo de zero. Assim, o que a pandemia fez foi antecipar temporariamente no curto prazo uma tendência estrutural que deverá ser a norma na maior parte do século XXI.
O decrescimento populacional só ocorreu no RJ e no RS porque estes são os dois estados com a estrutura etária mais envelhecida do país. O Índice de Envelhecimento (IE) – que mede a relação entre a população de 60 anos e mais de idade e a população de 0-14 anos – está estimada para 2021 em 94,1% no RJ e de 107,2% no RS. O IBGE estima que, em 2021, o Rio de Janeiro tenha 3,29 milhões de jovens de 0 a 14 anos e 3,1 milhões de idosos de 60 anos e mais, enquanto o Rio Grande do Sul teria 2,1 milhões de jovens de 0 a 14 anos e 2,22 milhões de idosos de 60 anos e mais (o RS é a única Unidade da Federação com mais idosos do que jovens de 0-14 anos). Para efeito de comparação o IE do Brasil é de 71,1% e o IE do Amapá é de 26,2% (26,2 idosos para cada 100 jovens de 0-14 anos).
Como mostrei no Diário da Covid-19, do dia 11/04, “No Sudeste, pela primeira vez, óbitos superam nascimentos”, A covid-19 teve impacto não somente na área da saúde, mas também na área econômica e social, com aumento da pobreza, da insegurança alimentar e do desemprego. Desta forma, com o isolamento social e as dificuldades de sobrevivência muitas pessoas adiaram o casamento. Ao mesmo tempo, o número de divórcios consensuais realizados pelos cartórios de notas aumentou em todo o país durante as quarentenas. Por conseguinte, o número de nascimentos diminuiu. Não somente em função da redução do número de casamentos e do aumento das separações, mas porque muitas mulheres e casais perceberam que há enorme risco em levar à frente uma gravidez e um parto no meio de uma pandemia e com o sistema de saúde sobrecarregado ou em colapso.
O efeito da pandemia na dinâmica demográfica tem sido mais ou menos o mesmo na maioria dos países do mundo. Os Estados Unidos da América (EUA) e a China – as duas maiores economias do mundo – estão passando por uma acentuada queda da fecundidade, como revelado no censo demográfico ocorrido em 2020 em ambos os países. A divisão de população da ONU fez um seminário com demógrafos especialistas na área de fecundidade, “Expert group meeting on the impact of the Covid-19 pandemic on fertility”, ocorrido nos dias 10 e 11 de maio de 2021, onde a tônica geral foi o reconhecimento da redução do número de nascimentos durante a pandemia. A apresentação sobre a América Latina e Caribe (ALC) ficou a cargo da demógrafa brasileira, Suzana Cavenaghi, cuja apresentação “Covid-19 and Fertility in Latin America: Boom, Bust, Neither” mostrou que também na ALC a tendência é de queda da fecundidade, embora os dados ainda não possibilitem estimativas mais precisas. A divisão de população da ONU divulgará as novas projeções demográficas no primeiro semestre de 2022, que serão fundamentais para se avaliar as perspectivas da transição demográfica no século XXI.
Panorama nacional e global da pandemia: Brasil ultrapassa a Bélgica na taxa de mortalidade
O Brasil registrou 16.471.600 pessoas infectadas pela covid-19 e 461.057 vidas perdidas, com taxa de letalidade de 2,8% no sábado. A média móvel de 7 dias ficou em 60,5 mil casos diários e 1.836 óbitos diários no dia 29 de maio de 2021, segundo dados do Ministério da Saúde.
No mundo, a semana mais letal da pandemia foi de 24 a 30 de janeiro de 2021 com 14,1 mil mortes diárias. A semana com o maior número de casos foi de 25 de abril a 01 de maio de 2021 com cerca de 820 mil casos diários, segundo o site Our World in Data, com base nos dados da Universidade Johns Hopkins. Na semana passada (23-29/05) a média diária global de mortes ficou pouco acima de 11 mil óbitos e a média de mortes pouco acima de 500 mil casos.
Os países com o maior número acumulado de mortes pela covid-19 são os EUA (595 mil óbitos), o Brasil (461 mil), a Índia (326 mil) e o México (224 mil óbitos). O Brasil está em 2º lugar no número total de vidas perdidas durante toda a pandemia. Mas para comparar o impacto da doença entre os países é preciso levar em consideração o peso demográfico de cada uma das nações. O Brasil que estava na 22ª posição em 12 de fevereiro de 2021, ultrapassou a Bélgica na semana passada e pulou para a 7ª posição no dia 28 de maio de 2021, conforme mostram os gráficos abaixo.
A Bélgica, que estava em primeiro lugar em fevereiro, caiu para o 8º lugar, enquanto a Hungria, que estava em 10º lugar, passou para a liderança geral. Os EUA que estavam em 7º lugar caíram para o 15º lugar. A Suécia que estava em 18º lugar, caiu para 28º lugar. A Argentina subiu ligeiramente do 23º lugar para o 19º lugar, refletindo o agravamento da pandemia no Cone Sul.
O Uruguai que tinha um coeficiente de 151 óbitos por milhão em 12/02 – abaixo da média mundial (307 óbitos por milhão) – deu um salto para 1.186 óbitos por milhão em 28/05, acima da média mundial (452 óbitos por milhão). O Camboja que não tinha registrado nenhuma morte até fevereiro, anotou 203 mortes nos últimos 3 meses e atingiu o coeficiente de 12 óbitos por milhão de habitantes. China não teve alteração do coeficiente de mortalidade. Taiwan subiu para 4 mortes por milhão de habitantes e o Vietnã praticamente não alterou o coeficiente de mortes, ficando com o menor valor entre os países do gráfico.
Entre todos os países apresentados no gráfico acima, o Brasil é o que apresentou o ritmo mais acelerado de aumento da mortalidade e já é líder isolado não só de todo o continente americano, mas também do hemisfério Sul. O Brasil só está atrás de países do Leste Europeu, pequenos, de clima frio e de estrutura etária envelhecida. Os 6 países que estão acima do Brasil no ranking dos maiores coeficientes de mortalidade possuem, em conjunto, apenas cerca de 20% da população e das mortes brasileiras. Portanto, entre as grandes nações, em termos demográficos, o Brasil possui o maior coeficiente de mortalidade e, no ritmo atual, pode ultrapassar os EUA em número acumulado de mortes até o mês de setembro de 2021.
A CPI e as manifestações pelo impeachment do presidente Bolsonaro
No cômputo geral, o Brasil tem mostrado uma péssima performance no controle da pandemia e um não menos desastroso desempenho na economia. A CPI da covid-19 já indicou uma ampla lista de equívocos da cúpula política do governo Bolsonaro além de ações e omissões do governo federal que possibilitaram o agravamento da emergência sanitária. Os questionamentos por parte dos senadores de figuras como Mayra Pinheiro, Fabio Wajngarten e, principalmente, Eduardo Pazuello, evidenciaram um acúmulo de mentiras e contradições que deixaram flancos abertos para que a CPI indique a responsabilização dos culpados pela tragédia humanitária do país. Os depoimentos de Dimas Covas, do Butantan, e do executivo Carlos Murillo, da Pfizer, quando confrontados com os demais depoimentos, deixam claro que a insistência em um tratamento precoce com remédios ineficazes e o desprezo pela obtenção de vacinas potencializaram a tragédia das mortes e resultaram, inclusive, no rejuvenescimento da idade média das vítimas fatais do novo coronavírus.
Na economia o desastre não é menor. Os dados da PNAD Contínua Trimestral, divulgados pelo IBGE, no dia 27 de maio, mostram um quadro dramático, pois a taxa composta de subutilização da força de trabalho (que mede o percentual de pessoas desocupadas, subocupadas por insuficiência de horas trabalhadas e na força de trabalho potencial) que estava em 15,5% no 1º trimestre de 2014 e em 24,4% no 1º trimestre de 2020, saltou para o recorde de 29,7% no 1º trimestre de 2021, representando o desperdício do potencial de trabalho de 33,2 milhões de pessoas. A taxa de desemprego aberto (pessoas fora do mercado de trabalho e que estavam procurando emprego) atingiu o máximo da série história do IBGE, iniciada em 2012, marcando 14,7%, o que representa o recorde de 14,8 milhões de desempregados. Além da subutilização da força de trabalho e do desemprego aberto (que deixam o Brasil distante da meta do Pleno Emprego) há uma elevada taxa de informalidade, que no 1° trimestre de 2021 ficou em 39,6% da população ocupada. O direito básico ao trabalho está sendo amplamente desrespeitado.
Além disto o Brasil tem anotado déficits fiscais crescentes e a dívida pública já se aproxima de 100% do PIB. As taxas de investimento e poupança são as mais baixas da história brasileira e mesmo com o desemprego tão alto a inflação também está subindo. Neste contexto, cresce a exclusão social, aumenta a pobreza e eleva o número de pessoas passando fome. Para agravar a situação o Brasil passa por um momento de seca e baixa pluviosidade que tem feito reduzir o nível dos reservatórios, gerando crise hídrica e aumento do preço da energia. O descaso com a ecologia e as transações suspeitas do “sinistro” do meio ambiente, Ricardo Salles, tem feito o Brasil pagar um alto preço interno, ao mesmo tempo que crescem as críticas externas à política ambiental do Brasil.
Neste cenário de caos na saúde e na economia, no dia 29 de maio de 2021, dezenas de milhares de manifestantes foram às ruas das maiores cidades brasileiras para protestar contra o desgoverno que impera no país e para exigir o impeachment do presidente Jair Bolsonaro por sua resposta catastrófica à pandemia do SARS-CoV-2, que já ceifou quase meio milhão de vidas no país, além cobrar a mudança da calamitosa política econômica que tem feito o Brasil regredir em todas as áreas.
Para um governo que faz apologia das armas e para um presidente que ameaçava fuzilar inimigos, a necropolítica é o que tem prevalecido no dia a dia do “culto à morte”. Desde 2019, o povo brasileiro não tem paz e a todo momento está sendo levado ao confronto, às divergências, à polarização, ao genocídio e ao ecocídio. O Brasil vive um clima de batalhas diárias promovidas pelo “gabinete do ódio”. Mas a população já percebeu onde estão os mestres da mentira, os detratores da paz e os oportunistas que lucram com o clima de guerra. As manifestações de protesto que começam a se avolumar, apesar de todos os perigos da pandemia, são a esperança que uma força coletiva brotada do seio do povo brasileiro coloque um fim definitivo à capacidade de ação dos insuportáveis agentes promotores da morte.
Fonte: Projeto Colabora