Cerca de 80% das pessoas privadas de liberdade no Brasil – quase 600 mil – não têm documentos em seus prontuários, dificultando o acesso a políticas públicas e a retomada da vida em sociedade. Para transformar essa realidade, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) lançou, nesta terça-feira (3/8), ação nacional que marca a criação de estrutura permanente de identificação civil e emissão de documentos para esse público. A estimativa é de que a população prisional do país já esteja identificada civilmente até agosto de 2022.
“A grandiosidade desta iniciativa pode ser medida pela quantidade de instituições envolvidas. Além das presentes nesta cerimônia – como o Ministério da Justiça e Segurança Pública, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, o Tribunal Superior Eleitoral e a Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais – também compõem a rede de parceiros Tribunais de Justiça, Secretarias de Administração Penitenciária, institutos de identificação civil e cartórios de registros civis. São cerca de 150 órgãos públicos nacionais e locais comprometidos com um mesmo objetivo”, destacou o presidente do CNJ, ministro Luiz Fux.
Por meio da ação nacional coordenada pelo Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas do CNJ (DMF/CNJ), as informações integrarão uma base de dados unificada, e permanentemente atualizada, sob responsabilidade do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Os fluxos também permitirão a emissão de documentos básicos para todas as pessoas em situação de privação de liberdade no país de forma confiável, seguindo diretrizes da Resolução CNJ n. 306/2019. A proposta é facilitar o acesso a programas sociais, cursos educacionais, atividades profissionalizantes e laborais e o próprio exercício da cidadania.
“Ter documentação e ser identificado faz parte do arsenal necessário para o desfrute dos direitos fundamentais, visto que a pessoa presa está privada apenas de sua liberdade, não de sua integridade física e moral. É um privilégio para o Tribunal Superior Eleitoral poder participar deste projeto e ajudar o sistema punitivo brasileiro a resgatar dívidas históricas com esse grupo invisível e marginalizado da sociedade brasileira”, destacou o presidente do TSE, ministro Luís Roberto Barroso.
O presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministro Humberto Martins, destacou a relevância da correta identificação civil já na porta de entrada. “A iniciativa marca o compromisso do Poder Judiciário de promover políticas de segurança pública e de justiça criminal pautadas pelo respeito e a garantia do efetivo exercício do direito das pessoas. Esse é o Judiciário que nós queremos, sonhamos e exercitamos.”
Fazendo Justiça
A criação de estrutura ampla e permanente para assegurar a documentação civil a pessoas que tenham tido contato com o sistema prisional é inédita na América Latina e integra as ações realizadas com apoio técnico do Fazendo Justiça, parceria do CNJ com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), com apoio do Ministério da Justiça e Segurança Pública, para enfrentar desafios estruturais no campo da privação de liberdade.
Segundo a diretora do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), Tânia Fogaça, cabe ao Estado promover a ressocialização daqueles que querem retornar ao convívio social. “Os atores de execução penal devem estar unidos no mister de transformar o sistema prisional por meio de ações efetivas, como é a de identificação civil em massa de toda a população carcerária. O Ministério da Justiça investiu nesta parceria R$ 35 milhões, os quais têm sido executados com maestria pelo CNJ, em cooperação com o TSE e o PNUD, entre outros órgãos.”
O representante residente adjunto do Pnud, Carlos Arboleda, destacou que não há condições favoráveis para o desenvolvimento social e econômico de um país quando pessoas podem estar sendo deixadas para trás. “Uma Justiça eficiente reforça uma maior governança e impulsiona o desenvolvimento social. A ausência de documentos é um obstáculo para exercer cidadania e acessar direitos. As Nações Unidas têm como meta estipulada que até 2030 todos no mundo tenham acesso à documentação civil.”
A Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen) também ressaltou a importância da iniciativa enquanto cumprimento de designação constitucional: “A ação que aqui se concretiza é de fortalecimento de cidadania, a fim de possibilitar àqueles que buscam um recomeço o direito elementar e essencial à identidade”, afirmou o presidente da entidade, Gustavo Renato Fiscarelli.
Emissão de documentos
Para apoiar a ação de documentação, já foi iniciada a distribuição de mais de 5,4 mil kits de coleta biométrica a todos os Tribunais de Justiça, Seções Judiciárias Federais e Circunscrições Judiciárias Militares do país, cobrindo todas as portas de entrada no sistema prisional. As unidades prisionais estaduais e federais também serão equipadas com o mesmo aparato e irão auxiliar na emissão dos documentos daquelas pessoas que já se encontram em privação de liberdade. A distribuição será encerrada na primeira semana de setembro deste ano, quando as instituições parceiras receberão capacitação para a internalização e padronização de procedimentos adequados ao cumprimento dos objetivos do projeto.
A aquisição dos kits biométricos foi possível por meio de Termo de Execução Descentralizada assinado entre CNJ e Ministério da Justiça e Segurança Pública em 2018, um dos pilares que deram origem ao programa Justiça Presente – hoje programa Fazendo Justiça. A estratégia teve início na gestão do ministro Dias Toffoli à frente do CNJ e teve sua continuidade na atual gestão do ministro Luiz Fux, como parte das 28 ações estratégias para enfrentar o estado de coisas inconstitucional que marca o sistema prisional brasileiro.
“Queremos um país em que se pratiquem direitos, com a garantia de que os legitimados para esse exercício estejam definitivamente investidos da cidadania e do sentido de pertencimento a uma mesma e única sociedade. Só assim alcançaremos o desejado sentimento de viver em uma sociedade mais justa, inclusiva e pacífica, mas que sobretudo permita a realização pessoal de cada um de nós”, ressaltou o ministro Fux.
Marília Mundim
Agência CNJ de Notícias
Fonte: CNJ