O advogado e sócio titular do Terra Sarmento Rocha Advogados, William Rocha concedeu entrevista exclusiva à Associação dos Notários e Registradores do Estado do Rio Grande do Sul (Anoreg/RS) para falar sobre a aplicação da LGPD nos serviços notariais e registrais.
William Rocha é doutorando em Ciências Jurídicas e mestre em Direito Empresarial Econômico pela Universidade Católica da Argentina – UCA, especialista com MBA em Direito do Consumidor e da Concorrência pela FGV/RJ. Também é graduado em Direito pela Universidade Santa Úrsula, procurador Adjunto da Junta Comercial do Estado do Rio de Janeiro – JUCERJA, membro da Comissão de Defesa do Consumidor e da Comissão de Proteção de Dados e Privacidade da Ordem dos Advogados – OAB/RJ. Atuação em Comissão de Ética e também de Sindicância.
Leia a entrevista completa:
Anoreg/RS – Para os cartórios, o que muda com a Lei Geral de Proteção de Dados?
William Rocha – Os cartórios foram citados, expressamente, no art.23, § 4ª da Lei 13.709/2018. Os serviços notariais e de registro com caráter privado, por delegação do Poder público, seguirão o mesmo tratamento de pessoas jurídicas de direito público. Ou seja, os notários e registradores deverão se adequar à Lei Geral de Proteção de Dados, observando todos os dispositivos da lei, em especial os princípios da finalidade, adequação, minimização da coleta e retenção mínima.
Estar adequado à LGPD é um diferencial competitivo importante e um atestado de integridade para confiança dos seus usuários.
Anoreg/RS – Como a LGPD impactará os cartórios de Notas e de Registro?
William Rocha – A LGPD definiu que se aplicarão as mesmas regras do tratamento pelo Poder Público e, considerando a natureza dos serviços previstos nas leis 6.015/73 e 8.935/945, é evidente que uma imensa quantidade de dados pessoais é diariamente tratada pelos cartórios extrajudiciais, exigindo dos notários e registradores muita precaução. Serviços notariais e de registro (art. 23 § 4º).
Art. 23 da LGPD
· § 4º Os serviços notariais e de registro exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público, terão o mesmo tratamento dispensado às pessoas jurídicas referidas no caput deste artigo, nos termos desta Lei.
· § 5º Os órgãos notariais e de registro devem fornecer acesso aos dados por meio eletrônico para a administração pública, tendo em vista as finalidades de que trata o caput deste artigo.
O impacto é estrutural e trará mudanças culturais em vários procedimentos das atividades de cartórios notariais e de registro, melhorando assim o ambiente de negócios no país e a segurança jurídica nas relações com transferência de dados pessoais.
Anoreg/RS – Quais medidas os notários e registradores devem adotar de acordo com a LGPD?
William Rocha – A Lei Geral de Proteção de Dados trouxe regramentos para garantir o CID (confidencialidade, integridade e disponibilidade de dados). Os notários e registradores precisarão implementar uma gestão de processamento como, por exemplo, garantir que o acesso de dados pessoais seja conferido apenas aos colaboradores autorizados. Assim como, manter uma trilha de auditorias internas com respeito aos acessos e tratamentos realizados. Além disso, devem adotar medidas de segurança, técnicas e administrativas aptas a proteger os dados pessoais, realizar a implantação de programa de governança em privacidade, elaborar o relatório de impacto, realizar o mapeamento do fluxo das informações, manter um canal de comunicação para que os titulares exerçam seus direitos, treinar as equipes envolvidas, construir um plano de resposta a incidentes de segurança da informação, entre outras ações que irão garantir a privacidade dos dados pessoais.
Anoreg/RS – Qual a importância das serventias se adequarem à LGPD?
William Rocha – Mesmo antes da LGPD a legislação setorial já continha direcionamentos quanto à necessidade de garantia da tríade base da segurança da informação, a “CID”: Confidencialidade, Integridade e Disponibilidade das informações.
• No artigo 1º da lei 8.935/94, que regulamenta o artigo 226 da CF/88, observa-se que os serviços notariais e de registro destinam-se, dentre outros pontos, a conferir segurança aos atos jurídicos.
• Ao falar em segurança, o legislador não se limita à segurança jurídica, abarcando também a segurança físico-lógica das informações disponibilizadas ao notário e ao registrador, sendo dever de tais profissionais guardarem em locais seguros os livros, papéis e documentos de sua serventia; guardar sigilo sobre a documentação e os assuntos de natureza reservada que tenham conhecimento em razão do exercício da função (artigo 30, I e VI da lei 8.935/94).
• No artigo 42 da lei 8.935/94, “Lei dos Notários e Registradores”, exige que os papéis referentes aos serviços dos notários e dos oficiais de registro sejam “arquivados mediante utilização de processos que facilitem as buscas” e, lá no artigo 46, dispõe que “os livros, fichas, documentos, papéis, microfilmes e sistemas de computação deverão permanecer sempre sob a guarda e responsabilidade do titular de serviço notarial ou de registro, que zelará por sua ordem, segurança e conservação”.
A LGPD conferiu ao titular de dados uma série de novos direitos, inclusive para requerer providências com relação a suas informações, bem como impõe obrigações aos agentes de tratamento e adequações para conferir mais segurança e transparência ao que é feito com os dados pessoais.
Existe ainda a Recomendação Nº 73 de 20/08/2020 do CNJ, que recomenda aos órgãos do Poder Judiciário brasileiro a adoção de medidas preparatórias e ações iniciais para adequação às disposições contidas na Lei Geral de Proteção de Dados – LGPD.
Os oficiais de registro civil que estiverem em desconformidade com à LGPD ainda poderão ser penalizados, pois a lei prevê a responsabilidade civil e administrativa e o ressarcimento de danos. “O controlador e operador que, em razão do exercício de atividades de tratamento de dados pessoais, causar a outrem dano patrimonial, moral, individual ou coletivo, em violação à legislação de proteção de dados pessoais, é obrigado a repará-lo”. (Art.42) Sanções Administrativas impostas pela ANPD- a partir de agosto de 2021: Advertência com indicação de prazo para adoção de medidas corretivas; Multa de até 2% do faturamento – limitada a R$ 50.000.000,00 – por infração Multa diária, observado o limite de R$ 50.000.000,00 Publicização da infração após apuração administrativa (risco de dano à reputação da empresa ou do profissional) Bloqueio dos dados pessoais até a regularização (paralização do negócio) Eliminação dos dados pessoais a que se refere a infração (paralização e até perda do negócio).
Lembrando que os serviços notariais e de registro exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público, terão o mesmo tratamento dispensado às pessoas jurídicas referidas no artigo 23 da LGPD, o que afasta apenas as sanções pecuniárias. Neste caso, os Oficiais de Registro poderão ser penalizados com: Advertência, com indicação de prazo para adoção de medidas corretivas; Publicização da infração após devidamente apurada e confirmada a sua ocorrência; Bloqueio dos dados pessoais a que se refere a infração até a sua regularização; e Eliminação dos dados pessoais a que se refere a infração. Além disso, os responsáveis poderão ser sancionados com as penas do Estatuto do Servidor Público Federal, da Lei de Acesso à Informação (LAI) e da Lei de Improbidade Administrativa.
Anoreg/RS – Qual a importância da atividade notarial e registral no processo de desjudicialização e desburocratização dos serviços?
William Rocha – Os serviços extrajudiciais são considerados seguros e, muitas vezes, o melhor caminho a ser seguido, tendo em vista a rapidez e economicidade que o serviço dispõe. Ao contrário do Judiciário, as serventias extrajudiciais demonstram satisfação por atingir o fim almejado em um curto prazo de tempo. Entende-se por desburocratização o ato de reduzir ou eliminar a burocracia, desagregando as racionalidades formais bem como sua lentidão. Por outro lado, desjudicialização é o processo de transferência para os cartórios extrajudiciais de alguns serviços que estão na esfera da justiça, para simplificar processos e agilizar ações que não envolvem litígio. Em função da deficiência de nosso Judiciário, na demora em prolatar sentenças devido ao acúmulo de processos é que se busca nas serventias notariais e de registro, alguma esperança. Sendo assim, é evidente que os serviços notariais e de registros são de extrema importância para atingir a desburocratização e desjudicialização das relações privadas. Esses serviços geram segurança às partes e são praticados por pessoas capacitadas.
Fonte: Assessoria de Comunicação – Anoreg/RS