Professor Permanente do Programa de Pós-Graduação em Cultura e Sociedade da UFBA, Djalma Thürler fala sobre o auxílio dos cartórios de registro civil na garantia de direitos à comunidade LGBT+ em entrevista à Arpen/RS
Em entrevista à Associação dos Registradores de Pessoas Naturais do Rio Grande do Sul (Arpen/RS), Djalma Thürler, Professor Permanente do Programa de Pós-Graduação em Cultura e Sociedade da UFBA e Coordenador do Curso de Especialização em Gênero e Sexualidade na Educação, na mesma Universidade, fala sobre 10 anos de permissão do casamento homoafetivo no Brasil e os cinco anos desde a autorização nacional para que os Cartórios de Registro Civil realizem mudanças de nome e sexo de pessoa transgênero.
“A Resolução, enquanto marco legal, precisa ser cumprida independente de quem seja, do notário ou do registrador, ato que contribui para a expansão de direitos LGBT+, mesmo que estes ainda sejam desiguais a nível global e gerem grave preocupação com a violência e a discriminação contra indivíduos com base na orientação sexual e na identidade de gênero”, aponta Djalma.
Confira a íntegra da entrevista:
Arpen/RS – A Resolução nº 175/2013 permitiu a realização de casamentos entre pessoas do mesmo sexo nos cartórios brasileiros. Qual a importância dessa medida?
Djalma Thürler – O dia 14 de maio de 2013 é, definitivamente, um marco para os direitos humanos e, em especial, para a comunidade LGBT+. A sua importância tem mais de um efeito: retirar casais da clandestinidade jurídica e assegurar a plena igualdade de direitos. Além disso, a Resolução, enquanto marco legal, precisa ser cumprida independente de quem seja, do notário ou do registrador, ato que contribui para a expansão de direitos LGBT+, mesmo que estes ainda sejam desiguais a nível global e gerem grave preocupação com a violência e a discriminação contra indivíduos com base na orientação sexual e na identidade de gênero. Outra importância da 175/2013 é a forte correlação entre os direitos LGBT+ e as sociedades democráticas.
Arpen/RS – Como vê a importância dos cartórios de registro civil nesse processo de realização dos casamentos homoafetivos sem precisar solicitar autorização judicial para celebrar esses atos?
Djalma Thürler – É importante lembrar que a legalização das uniões e dos casamentos entre pessoas do mesmo sexo continua a ser um assunto que divide algumas instituições, especialmente a Igreja e os conservadores são contra, o que me leva a crer que os cartórios poderiam cumprir uma função social mais profunda do que apenas a da realização dos casamentos. Nesse sentido, poderiam desenvolver ações ligadas, ao que eu tenho chamado, de ética queer, que seria a promoção de novas mentalidades em relação às dissidências de gênero, um alerta a toda a sociedade para a saúde física e social e bem-estar das pessoas variantes do gênero, ou seja, precisamos de aliados que promovam recursos culturais e pedagógicos para que a sociedade compreenda e se envolva com essas pessoas nos seus próprios termos
Arpen/RS – Já se passaram 5 anos desde a autorização nacional para que os
Cartórios de Registro Civil realizem mudanças de nome e sexo de pessoa
transgênero, sem a necessidade de procedimento judicial e nem
comprovação de cirurgia de redesignação judicial. Como avalia essa
autorização?
Djalma Thürler – A forma como se fala das pessoas transgênero na sociedade, no meio acadêmico e na ciência está em constante mudança, sobretudo à medida que aumenta a sensibilização, o conhecimento e a abertura dos indivíduos em relação a essas pessoas e às suas experiências. Se uma mulher transgênero vive como uma mulher, se um homem transgênero vive como um homem, ou se algumas pessoas transgênero não se identificam nem como homem nem como mulher, ou ainda, como uma combinação de homem e mulher, precisamos saber como elas gostariam de ser identificadas ou nomeadas. Essa ruptura da “escala burocrática” para a retificação de nomes sociais é sinal importante que revela que a produção científica que desenvolvemos na Universidade não está fora do mundo social, ela é política. Antes do século 20, por exemplo, todo conhecimento do corpo estava ligado à ciência ou à medicina. Era a matriz heterossexual que parecia ser a única detentora de acesso aos corpos, mas também aos mundos da sexualidade e do gênero. Depois, a partir deste mesmo século, o corpo começa a se tornar parte da consciência do sujeito, que pode ser acessível ao próprio sujeito, ou seja, em certa medida e progressivamente, o corpo torna-se um espaço para a construção do eu, onde gradualmente se tornará possível falar e me parece que a autorização nacional para que os Cartórios de Registro Civil realizem mudanças de nome e sexo de pessoa transgênero sem burocracias médico-legais é resultado tanto desse giro epistemológico, quanto das demandas do movimento social.
Fonte: Assessoria de Comunicação – Arpen/RS