Coordenador do Núcleo de Defesa da Diversidade Sexual e dos Direitos Homoafetivos da DPRJ, Hélder Moreira fala sobre a importância do papel do registro civil no processo de identificação em entrevista à Arpen/RS
Em entrevista à Associação dos Registradores de Pessoas Naturais do Rio Grande do Sul (Arpen/RS), o defensor Hélder Moreira, coordenador do Núcleo de Defesa da Diversidade Sexual e dos Direitos Homoafetivos da Defensoria Pública do Rio de Janeiro, fala sobre a importância do papel do registro civil no processo de identificação do gênero neutro e como instrumento da demonstração do formato familiar.
“Considerando a relevância da cidadania plena para o indivíduo, enquanto destinatário da proteção a seus direitos fundamentais, cabe ressaltar que a cidadania outorgada, legitimada, controlada e conferida pelo Estado se expressa materialmente por meio de uma série de documentos, cujo registro e posse são fundamentais para o exercício deste atributo”, destaca Hélder.
Confira a íntegra da entrevista:
Arpen/RS – Como avalia o Registro Civil das Pessoas Naturais como instrumento de demonstração do formato familiar?
Hélder Moreira – A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado (artigo 226 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988- CRFB). O Direito das Famílias é um importante ramo do Direito Civil, com especial aplicação no Registro Civil das Pessoas Naturais. A CRFB, o Código Civil, os atos normativos, a doutrina e a jurisprudência disciplinam o Direito das Família e traçam novos modelos familiares, que não podem ser ignorados por registradores civis das pessoas naturais.
Arpen/RS – Quais cuidados devem ser adotados pelo registrador civil para estar alinhado com as normativas e decisões judiciais sobre o tema?
Hélder Moreira – Deve estar atento ao respeito do nome social das pessoas e o respeito ao uso do gênero correto. Nesse aspecto, é importante que o registrador civil não pressuponha previamente o gênero masculino ou feminino da pessoa, tendo-se em conta a existência da pessoa não binárie.
Além disso, deve ser facilitado o acesso à requalificação civil da pessoa trans, evitando a judicialização e prestigiando a feitura do processo diretamente em cartório. Deve se pensar da desburocratização do serviço, facilitando a obtenção das certidões exigidas pelas normas do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para a mudança de nome/sexo na certidão.
O registrador civil deve estar atento para não exigir nenhum laudo médico ou dispensar tratamento patologizante ao usuário do serviço. A requalificação civil é autodeclaração da pessoa natural.
Arpen/RS – Como o gênero neutro repercute no registro civil?
Hélder Moreira – Trata-se de uma importante medida em prol do respeito da identidade autopercebida da pessoa natural. Deve-se ter em conta que as pessoas não bináries são sujeitos em vulnerabilidade social, ao mesmo tempo que a cidadania é reconhecida como fundamento da República (art. 1º, CRFB). Considerando a relevância da cidadania plena para o indivíduo, enquanto destinatário da proteção a seus direitos fundamentais, cabe ressaltar que a cidadania outorgada, legitimada, controlada e conferida pelo Estado se expressa materialmente por meio de uma série de documentos, cujo registro e posse são fundamentais para o exercício deste atributo.
Arpen/RS – Qual a importância do papel do registro civil no processo de identificação do gênero neutro?
Hélder Moreira – Na sociedade contemporânea, observa-se um reconhecimento crescente do papel de serventias extrajudiciais no propósito de evitar litígios ou facilitar a sua solução, através da utilização de mecanismos privados e informais de solução de demandas (desjudicialização). No viés contemporâneo de cidadania, deve-se dedicar a olhar para os excluídos – inseridas aqui as pessoas não bináries -, àqueles para os quais nem sempre os preceitos constitucionais se materializam, àqueles que nem sempre logram acesso ao Judiciário para a tutela de seus direitos fundamentais.
Fonte: Assessoria de Comunicação – Arpen/RS