Juiz-Corregedor Felipe Só dos Santos Lumertz concede entrevista à Arpen/RS sobre os 10 anos dos casamentos homoafetivos no Brasil

O juiz-corregedor do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul (TJRS), Felipe Só dos Santos Lumertz concedeu entrevista à Associação dos Registradores de Pessoas Naturais do Rio Grande do Sul (Arpen/RS) para falar sobre os 10 anos do início da obrigatoriedade da celebração dos casamentos homoafetivos no Brasil e o papel dos cartórios de registro civil nesse processo.

De acordo com o magistrado, “a atuação dos Cartórios de Registro Civil ao celebrarem os casamentos homoafetivos é decisiva para que tenhamos progressivamente uma sociedade mais inclusiva”.

Confira a entrevista na íntegra:

Arpen/RS – A Resolução nº 175/2013 permitiu a realização de casamentos entre pessoas do mesmo sexo nos cartórios brasileiros. Qual a importância dessa medida?

Felipe Só dos Santos Lumertz – Para responder ao questionamento, é necessário resgatarmos um pouco os fatos que antecederam a Resolução nº 175/2013 do Conselho Nacional de Justiça.

Ante a falta de previsão legal expressa, as relações afetivas entre pessoas do mesmo sexo recebiam tratamentos jurídicos diversos. Alguns posicionamentos não admitiam a possibilidade de sua existência jurídica por falta de regulação, outros conferiam-lhe um tratamento de natureza empresarial, como se sociedade de fato fossem, ao passo que alguns Tribunais, dentre eles o do Estado do Rio Grande do Sul, aplicavam a essas relações as mesmas normas da união estável, isto é, do direito de família.

Esta insegurança jurídica foi superada com a decisão do Supremo Tribunal Federal, que, ao julgar as Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental de nº 4277 e 132, reconheceu a união homoafetiva como família, e, por meio de interpretação conforme a Constituição, excluiu do art. 1.723 do Código Civil qualquer significado que impedisse o reconhecimento da união contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar. Este julgamento ocorreu em 05.05.2011.

Logo após, o Superior Tribunal de Justiça, ao decidir o Recurso Especial nº 1.183.378/RS, em 25.10.2011, entendeu ser possível a habilitação para casamento de duas pessoas do mesmo gênero.

Com base nestes precedentes, o Conselho Nacional de Justiça editou a Resolução nº 175/2013, vedando a recusa de habilitação, celebração de casamento civil ou de conversão de união estável em casamento entre pessoas de mesmo gênero.

Esta normativa buscou adequar-se não só aos precedentes da Suprema Corte e do Superior Tribunal de Justiça, mas sim promover, no plano jurídico, o reconhecimento da união homoafetiva como um fato da vida, de modo a concretizar um salto normativo de proibição do preconceito, com a proclamação dos direitos à liberdade sexual e à busca da felicidade. Assim, trata-se a Resolução nº 175/2013 de conquista de relevante avanço jurídico e social.

Arpen/RS – Até abril de 2023 o Rio Grande do Sul contabilizou 3.096 casamentos
entre pessoas do mesmo sexo, como avalia esse número?

Felipe Só dos Santos Lumertz – Os dados estatísticos auxiliam a encontrar padrões e tendências. Em 2020, o IBGE divulgou que o número de registros de casamentos no Brasil teria tido uma redução de 2,7% entre 2018 e 2019, o que representaria uma tendência desde 2016. Já o total de matrimônios entre pessoas de mesmo sexo teriam tido, entre 2017 e 2018, um aumento de 61,7%, mas, entre 2018 e 2019, sofrido um recuo de 4,9%.

Assim, se os números verificados apontam uma tendência de diminuição da formalização de casamentos civis, as razões para tal fato podem decorrer de situações variadas, como, por exemplo, a priorização de carreiras profissionais.

Independentemente disso, o que deve ser comemorado é o fato de, àqueles que desejarem contrair casamento, esta possibilidade é assegurada a todos, independentemente de orientação sexual, diretamente no Cartório do Registro Civil. Este sim é um dado a ser comemorado, pois demonstra a formalização de inúmeras famílias em seu propósito de busca felicidade, concretizando o direito à igualdade que foi reconhecido pela Resolução nº 175/2013.

Arpen/RS – Como vê a importância dos cartórios de registro civil nesse processo
de realização dos casamentos homoafetivos sem precisar solicitar
autorização judicial para celebrar esses atos?

Felipe Só dos Santos Lumertz – Tenho dito que a desjudicialização, assim entendida como a criação de alternativas extrajudiciais à solução de determinado conflito, é uma tendência que deve ser estimulada.

Nesse sentido, a possibilidade de os cartórios de registro civil celebrarem casamentos homoafetivos vai na tendência deste fenômeno jurídico, pois promove direitos ao cidadão sem que seja necessário recorrer ao Poder Judiciário.

Por isso, pode-se afirmar, com segurança, que, no propósito de promover uma sociedade mais livre, justa e solidária, bem como de assegurar o bem de todos, independentemente de preconceitos relacionados à sexualidade, que são objetivos da Constituição (art. 3º, I e IV), a atuação dos Cartórios de Registro Civil ao celebrarem os casamentos homoafetivos é decisiva para que tenhamos progressivamente uma sociedade mais inclusiva. Em suma, o serviço registral nesta matéria demonstra a importância dos Registros Civis de Pessoas Naturais na concretização de princípios constitucionais sensíveis à sociedade.

Fonte: Assessoria de Comunicação – Arpen/RS