Gaúcha ZH – Em cinco anos, mais de cem pessoas buscaram cartórios de Caxias para mudar o gênero

Maior parte das retificações foi do sexo masculino para o feminino no período. Ato não exige mais comprovação de cirurgia ou laudo psicológico

 

Nos últimos cinco anos, 101 pessoas recorreram aos cartórios de Registro Civil de Caxias do Sul para mudar o gênero na certidão de nascimento. É que desde a metade de 2018 este processo está mais acessível e humanizado para a população trans: não é mais necessário recorrer à Justiça e nem ter a comprovação de cirurgia de redesignação sexual, também conhecida como transgenitalização, para alterar o nome, o gênero ou ambos no documento. Também não é mais necessário apresentar laudo psicológico: basta comparecer aos cartórios com todos os documentos exigidos e informar o desejo ao oficial de registro.

 

Conforme dados levantados pela Associação dos Registradores de Pessoas Naturais do Rio Grande do Sul (Arpen/RS), as mudanças para o sexo feminino prevalecem entre as 101 solicitações no maior município da Serra. Nos cinco anos de regulamentação, de junho de 2018 a maio de 2023, foram 56 mudanças do sexo masculino para o feminino e 36 do feminino para o masculino. Outros nove casos, de acordo com a associação, tiveram a alteração do gênero, contudo, permaneceram com o mesmo nome no documento.

 

— É mais uma medida necessária para a garantia do direito à identidade — destaca o presidente da Arpen/RS, Sidnei Hofer Birmann, sobre a alteração ser viabilizada diretamente nos cartórios.

 

Os números apurados pela Arpen do Rio Grande do Sul mostram ainda que nos últimos anos foram contabilizadas o maior número de solicitações desde 2018. De junho de 2021 a maio de 2022, houve um aumento de 100% em relação ao período anterior, quando as alterações de gênero passaram de 13 para 26. O período seguinte, de junho de 2022 a maio de 2023, também registrou 26 mudanças.

 

O procedimento de retificação gera um custo, sendo que o valor varia conforme o Estado da federação.

 

Quando as regras mudaram?

 

Em 1º de março de 2018, por unanimidade, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu autorizar transexuais e transgêneros a alterarem o nome no registro civil sem a realização de cirurgia de mudança de sexo. A publicação de um provimento do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em junho do mesmo ano, regulou as condições.

 

“A sociedade ainda precisa nos incluir”

 

A estudante e jovem aprendiz Julia Velho, 18 anos, realizou a retificação do nome e do gênero em um cartório de Caxias do Sul há cerca de uma semana com apoio de um advogado disponibilizado pela ONG Construindo Igualdade. Ela comemora a mudança do documento, mas entende que a sociedade ainda precisa evoluir na inclusão da população trans no maior município da Serra.

 

— É um novo ciclo, é, de fato, ser reconhecida. É a primeira mudança de outras que ainda pretendo fazer. Mas acho que a sociedade ainda precisa nos incluir, nos enxergar como seres humanos como quaisquer outros. Precisamos ser incluídos em empregos e em espaços públicos. Ainda temos uma cultura muito conservadora na cidade, infelizmente — analisa Julia.

 

Outro apontamento feito por ela é a necessidade de um espaço de saúde voltado a este público:

 

— É extremamente necessário termos um ambulatório para pessoas trans para tratamento hormonal, cirurgias e também termos médicos qualificados — opina.

No fim de março, a prefeitura informou que busca recursos para implantar um Serviço Ambulatorial Especializado no Processo Transexualizador – Ambulatório Trans de Caxias do Sul. O projeto está pronto e prevê o espaço junto ao CES.

 

A iniciativa, ainda sem data para entrar em funcionamento, prevê equipe multiprofissional com enfermeiro, médico, psicólogos, assistente social, farmacêutico. Também é prevista equipe de apoio com endocrinologista, urologista, proctologista, infectologista, dermatologista, fonoaudiólogo, psiquiatra, além de suporte de promotores de saúde LGBTQIA+ e ativistas e representantes da sociedade civil.

 

Como fazer a mudança em cartório

:: Qualquer pessoa com 18 anos ou mais que não se identifique com o gênero registrado em sua certidão de nascimento pode fazer a mudança sem processo judicial. Para menores de idade, por outro lado, o procedimento só é feito judicialmente.

 

:: O procedimento é feito com base na autonomia da pessoa, não sendo necessária a efetivação da cirurgia de redesignação sexual. É possível alterar somente o nome, apenas o gênero ou ambos. Os agnomes indicativos de gênero (Filho, Júnior, Neto) também podem ser alterados.

 

:: A alteração não inclui o sobrenome, bem como não pode haver identidade de nome com outro membro da família.

 

:: Para solicitar a mudança de prenome e gênero na certidão de nascimento, é necessário comparecer ao cartório de Registro Civil mais próximo da residência e preencher um requerimento. Uma série de documentos é exigida, por isso, muitas pessoas trans recorrem à ajuda de advogados, ONGs, etc, para concretizar o ato.

 

:: O valor do procedimento varia conforme o Estado da federação. O prazo para que a nova certidão fique pronta também depende de onde é o cartório de origem.

 

:: O passo seguinte é providenciar a mudança do nome e gênero nos demais documentos junto aos respectivos órgãos emissores.

 

Fonte: Gaúcha ZH