“A atividade registral está no dia a dia dos cidadãos brasileiros”

Coordenador da Comissão Permanente de Defesa de Direitos Humanos da PGE-RS, Lourenço Floriani Orlandini concedeu entrevista à Arpen/RS sobre a mudança de registro de nome e gênero diretamente em cartório

Procurador do Rio Grande do Sul desde 2010 e atualmente coordenador da Comissão Permanente de Defesa de Direitos Humanos da Procuradoria-Geral do Estado, Lourenço Floriani Orlandini, concedeu entrevista à Associação dos Registradores de Pessoas Naturais do Rio Grande do Sul (Arpen/RS) para falar sobre a possibilidade de mudança de registro de nome e gênero diretamente em cartório.

“Destaca-se que o Rio Grande do Sul é pioneiro no Brasil, na regulamentação do procedimento administrativo que abranja as pessoas não-binárias (que também são pessoas trans, pois não se identificam com o gênero que lhes foi designado durante o nascimento), permitindo que o gênero neutro conste em seu registro civil”, aponta Lourenço.

Confira a entrevista na íntegra:

Arpen/RS – Qual a importância para a população de poder mudar o nome e gênero diretamente no cartório?

Lourenço Floriani Orlandini  O direito da pessoa ser chamada por nome adequado à identidade de gênero com que se identifica possui relação direta com o exercício da maioria dos seus direitos fundamentais.

O Supremo Tribunal Federal (STF) já declarou que o exercício pleno pelo ser humano da liberdade de escolha de identidade, orientação e vida sexual são pressupostos para o dsenevolvimento da personalidade humana. Por conta disso, a criação de óbices ou dificuldades para o exercício desse direito, como a necessidade de judicializar direito tão básico, acarreta indevido entrave e tratamento discriminatório aos direitos mais essenciais das pessoas trans.

Arpen/RS – Como essa possibilidade contribui com a defesa dos direitos humanos?

Lourenço Floriani Orlandini  Deve-se contextualizar essa possibilidade dentro de um processo que visa garantir os direitos mais básicos a um dos segmentos da população mais vulneráveis no Brasil. Há quase 15 (quinze) anos o Brasil é considerado por organizações internacionais como o país que mais mata pessoas trans no mundo. Algumas fontes apontam que cerca de 90% das mulheres trans precisam ou já precisaram recorrer à prostituição como modo de sobrevivência. Isso porque, desde o seu nascimento, as pessoas trans estão submetidas a um “ciclo de exclusões”, sendo afastadas da família, da escola, do mercado de trabalho e, ao final, da vida, gozando de uma expectativa de vida de cerca de 35 anos no Brasil, conforme atesta a ANTRA.

Nesse cenário, a inconformidade e a dor íntima proveniente de uma pessoa trans não ter observado o gênero e o nome com o qual se identifica estão na base de todas essas exclusões, de modo que a simplificação do procedimento é etapa indispensável para que essa população – que, na maioria não tem acesso aos direitos mais básicos – passe a ser integrada na sociedade, reduzindo as tantas desiguladades a que está submetida.

Arpen/RS – Como avalia a importância dos cartórios de registro civil nesse processo de mudança de registro de nome e gênero?

Lourenço Floriani Orlandini  Aos cartórios foi atribuída essa tarefa que é essencial para o exercício da cidadania das pessoas trans, de modo que devem garantir que a alteração seja facilitada, nos termos do julgado do STF (para a mudança, não se deve exigir nada além da vontade do indivíduo), sendo essencial, ainda, que acolham essas pessoas de forma digna, respeitando a forma como se identificam, para que participem do processo, material e formalmente, do processo de redução das desiguladades sociais.

Destaca-se que o Rio Grande do Sul é pioneiro, no Brasil, na regulamentação do procedimento administrativo que abranja as pessoas não-binárias (que também são pessoas trans, pois não se identificam com o gênero que lhes foi designado durante o nascimento), permitindo que o gênero neutro conste em seu registro civil.

Arpen/RS – Como vê a atividade registral no processo de desjudicialização e desburocratização dos serviços?

Lourenço Floriani Orlandini  A atividade registral está no dia a dia dos cidadãos brasileiros, consistindo em premissa para o exercício dos mais diversos direitos pela população. A facilitação de acesso a esses serviços, sem necessidade de provocação da via judicial (mais morosa e cujo acesso é mais difícil pelas pessoas mais carentes) vem em benefício justamente dos mais necessitados, além de reduzir burocracias que dificultam o desenvolvimento social e econômico do país.

Tenho dois pareceres sobre a temática trans de minha autoria (um sobre não-binários e cadastro no IGP e outro sobre cotas para pessoas trans), ambos aprovados pelo Procurador-Geral do Estado, sendo que o segundo teve caráter jurídico-normativo atribuído pelo Governador do Estado, os quais contém a base de informações referidas nas respostas acima, além de que podem contribuir eventualmente para a matéria.

Fonte: Assessoria de Comunicação – Arpen/RS